Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

O discreto charme da gíria antiga

Quanto tempo levará o supimpa verbo tankar para virar peça de museu?

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Gosto de gírias antigas.

Palavras são entes vivos: nascem e morrem, com toda uma história que pode ser curta ou longa –às vezes tão longa que simula a eternidade, enganando muita gente– de entremeio.

O legal das gírias é que elas nos permitem acompanhar esse ciclo em miniatura, como se estivéssemos num laboratório: vão do nascimento à morte, como qualquer palavra, mas com raras exceções (como "bacana", esse fenômeno de duração) percorrem rapidamente a distância entre os dois pontos.

As gírias permitem acomapanhar o ciclo das palavras, que nascem e morrem - Brandon Bell /Getty Images via AFP

O caráter efêmero está na sua natureza. A brevidade da vida é o preço que pagam pela intensidade com que se jogam, cheias de ímpeto juvenil, em todos os excessos da missão de comunicar, misturando sentido e atitude.

São como certos artistas malditos: brilham demais e se consomem depressa. Durar além da conta seria visto, no caso delas e deles, como um ato de mau gosto. Quanto tempo levará o atualíssimo verbo tankar, por exemplo, para virar peça de museu?

Um dos efeitos de tanta efemeridade é que as gírias se esmeram em denunciar a idade de quem as usa. Um dia dei uma mancada: estranhei quando me disseram que a palavra mancada era "arcaica".

Reagi ao que me parecia uma afirmação francamente absurda, fiz enquetes e acabei concluindo que, sim, o prazo de validade de mancada tinha vencido fazia tempo. Não tanto tempo, porém, que me permitisse retomá-la em chave irônica, como supimpa. Que mancada!

Etarismo à parte, recomenda-se cuidado com essas coisas numa sociedade de adesão automática ao novo, em que envelhecer além de certa idade é encarado como uma espécie de gafe.

A vingança daqueles que trazem na memoria códigos linguísticos datados está em saber que nem tudo o que parece novidade foi criado agora. Algumas gírias hibernam. Bom exemplo disso é um dos verbos preferidos da linguagem bandida atual, "esculachar".

Esculachar, nesse uso fora da lei, significa descer o cacete, usar de violência. Quem desembarcou há pouco tempo na língua não sabe que, apesar das aparências, se esculacha no Brasil desde o tempo do meu avô.

Tudo indica que a palavra chegou por aqui na bagagem de imigrantes italianos: a língua natal deles tem o verbo "sculacciare", que quer dizer "dar palmadas nas nádegas, especialmente de crianças" e é derivado de "culo" —traseiro, em tradução de salão.

No português brasileiro, "esculachar" passou por uma ampliação de sentido. Em usos figurados, tornou-se, na segunda metade do século passado, sinônimo de bagunçar e, especial, de repreender de forma rude.

Nessa última acepção, o verbo acabou substituído pela maioria dos falantes por "dar um esporro", de origem não menos vulgar, e foi saindo de moda. Curiosamente, ao voltar às paradas de sucesso (outra expressão antiga), retomou um sentido próximo do original, ligado à violência física, e não daquele que por muito tempo foi o mais corrente.

É possível que nada disso prove coisa alguma. Contudo, antes que venham me esculachar, vale ponderar se alguma compreensão sobre o caráter histórico das palavras não seria útil em nossa era de culto ao presente eterno.

Gabriel Medina e a foto histórica após vitória nas Olimpíadas de Paris - Jerome Brouillet - 29.jul.24/AFP

E aquela foto do Gabriel Medina flutuando sobre as águas, hein? Sesquipedal!

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